@ Márcio Metzker - 18/4/2016

Ontem me sentei diante da TV — coisa que faço muito raramente — para acompanhar o circo da política — coisa que não me entusiasma. No entanto, estava curioso para ver as caras dos parlamentares brasileiros, desta vez em HD, e não na imagem embaçada de 92, quando eles impicharam o Collor.
A nitidez de áudio e vídeo me deixaram estarrecidos pelo desfile de jacus que hoje representam o eleitorado brasileiro, e pelo festival de asneiras que proferiram ao microfone. Com todo o respeito aos analfabetos, é flagrante a falta de nível dos representantes do povo. A sessão de ontem rivalizou com a coletânea de besteirol que fazem todos anos dos alunos do ENEM. E o maior desconforto foi ter que ver durante dez horas a cara corrupta do Eduardo Cunha, com aquele sorriso de Mona Lisa, ignorando com olímpico cinismo a metralha de acusações e insultos que lhe dirigiram o tempo todo.
Desde o início, impliquei com os discursos dos líderes partidários para encaminhar a votação, porque esqueciam que estavam ali para fazer recomendações ao coletivo de correligionários e desatavam a encher nossa paciência com sua biografia, o heroísmo do seu pai e seus tios, e suas questões paroquiais. Entrou um tal de Aelton Freitas, de Minas, que disparou a ler um discurso empolado, escrito por algum assessor metido a intelectual. Freitas pronunciava mal, comia os plurais e acelerava, tentando fazer aquele calhau caber nos três minutos que lhe deram. Não conseguiu. Acabou falando sem microfone e sendo empurrado para fora da tribuna. Triste exemplo de líder...
Apesar das recomendações que Cunha fez antes da chamada nominal para votação, de que cada deputado deveria apenas dizer SIM ou NÃO, os deputados sabiam que os olhos da nação inteira — inclusive os de sua amada tia moradora do sertão do Cabrobó — estariam grudados na TV, e passaram a deitar falação fisiológica e puxação de saco dirigida. Assessores diligentes filmavam tudo com celular para que o deputado pudesse usar nas campanhas futuras.
A mulher do Ruy Muniz discursou sobre a moralidade exemplar de seu marido à frente da Prefeitura de Montes Claros, e acordou hoje com a Polícia Federal batendo na porta do quarto para prendê-lo por reincidentes safadezas. Um deputado evangélico, ao receber de Cunha a palavra, agradeceu: "Feliz a Casa cujo Deus é o Senhor". Cunha sorriu lisonjeado.
Dezenas de deputados fizeram discursos estapafúrdios, sem qualquer ligação com o tema da votação. Possivelmente estavam se referindo a pequenas lutas interioranas que mantinham no Congresso. O mais estapafúrdio de todos, no entanto, foi Jair Bolsonaro, que homenageou o agente da ditadura que torturou Dilma Rousseff. Sucederam-se parlamentares histéricos, apopléticos e patéticos. O único palhaço profissional do Congresso, Tiririca, absteve-se de fazer graça e votou com sobriedade.
A maioria dos deputados, no entanto, eram verborrágicos Peludos. "Pelo combate à corrupção, pelo fim do copo de plástico nas lanchonetes, pelas vítimas da BR-290, pela punição exemplar dos que pulam a catraca do metrô..." Os Peludos enumeravam vários "pelos" para justificar sua decisão de votar no SIM. Muito numerosos também foram os Xuxas — que mandavam beijos à esposa, filhos, netos, tias e sobrinhos, como se estivessem num programa de auditório e não numa votação para mudar os rumos do país. E já que falamos de Xuxa, fiquei surpreso de ver tão poucas mulheres parlamentares. Talvez não cheguem a 30, num universo de mais de 500 deputados. Na minha época de servidor no Parlamento estadual de Minas, a tendência era o fim do Clube do Bolinha.
Com poucas e honrosas exceções de homens públicos com perfil para o cargo, o que vimos ontem foi um bando de coiós engravatados, empoleirados em duas dezenas de partidos indistintos, muitos deles conhecidos apenas no sertão do Piauí. Ofende minha consciência de homem civilizado ouvir os grasnidos de certos deputados de Roraima, e pensar que no Congresso eles valem exatamente o mesmo que valeram um Ulysses Guimarães, um Sérgio Miranda, um Mário Covas.
De onde vem essa fauna grosseira, suspeita e semi-alfabetizada que infesta o Congresso? Como conseguem se eleger? Onde estão os verdadeiros homens públicos capazes de discernir uma subemenda deletéria de um prato de couve com linguiça? Onde estão os melhores entre todos, que teriam grandes contribuições a dar ao Congresso e à Nação? Com certeza, foram afugentados pelos altos gastos das campanhas, pela mercantilização do voto, pela péssima imagem que o povo tem dos deputados, pela fisiologia dos dirigentes partidários, pelos escabrosos esquemas montados para entregar a Presidência da Câmara e do Senado a homens como Eduardo Cunha e Renan Calheiros.

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